A ação de Lutero foi em grande parte uma resposta à venda de indulgências por João Tetzel, um frade dominicano, delegado do Arcebispo de Mainz e do papa. O objetivo desta campanha de angariação de fundos foi o financiamento da Basílica de S. Pedro em Roma.Mesmo apesar de o príncipe-eleitor (soberano) de Lutero, Frederico, o Sábio, e o príncipe do território vizinho, o duque Georg da Saxónia terem proibido a venda de indulgências em seu território, muitas pessoas viajaram para as poder adquirir. Quando estas pessoas vieram confessar-se, apresentaram a indulgência, afirmando que não mais necessitavam de penitenciar pelos seus pecados, uma vez que o documento os perdoava de todos os pecados.
Lutero
afixou as 95 teses na porta da igreja castelo em Wittenberg, Alemanha, a 31 de
Outubro de 1517. Alguns
académicos questionaram a veracidade desta noção, notando que não existem
relatos de contemporâneos para ela. Outros afirmaram que não houve necessidade
de tais relatos pois esta acção era nos dias de Lutero o modo comum de anunciar
eventos nas universidades do tempo. As portas de igrejas funcionavam na altura
como os placares informativos funcionam hoje nos campus universitários. Outros
ainda sugeriram que as 95 teses podem muito bem ter sido afixadas em Novembro de
1517. A maioria é unânime pelo menos em que Lutero terá remetido estas teses por
correio ao Arcebispo de Mainz, ao papa, a amigos e a outras universidades nessa
data, então historiadores como Gottfried Fitzer, Erwin Iserloh e Klemens
Houselmann, contestatam essa versão e disseram que não houve de fato a fixação
das 95 teses em Wittemberg. Do relato de Johannes Schneider, um criado de
Lutero, é que se extraiu a notícia da afixação das teses. Escreveu apenas: “No
ano de 1517, Lutero apresentou em Wittenberg, sobre o EIba, segundo a antiga
tradição da universidade, certas sentenças para discussão, porém modestamente e
sem haver desejado insultar ou ofender alguém”. Então alguns concluem que não
houve esse evento.
Segundo
a tradição luterana que celebra a persona Lutero (1483-1546),
as “95 Teses” foram afixadas na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg em 31
de outubro de 1517. Se este ato, recorrentemente celebrado como fundador da
Reforma Luterana, realmente aconteceu, não teria, em si mesmo, nada de
excepcional: na verdade, isso era um modo costumeiro de se anunciar uma
“disputa” ou “justa teológica” entre os doutos de Wittenberg. Portanto, não se
tratava de uma ação que deveria ter uma conotação individual, visto que as
disputas eram debates que envolviam professores e estudantes. Isso explica o
fato de Lutero pedir para aqueles que não pudessem se fazer presentes à disputa
que, ao menos, enviassem as suas opiniões por escrito para serem lidas. Afinal,
segundo as regras da eloqüência, as “teses” deveriam ser vistas como “pontos a
serem debatidos” em uma plenária de doutos.
Nesse
sentido, trata-se de um ato público envolvendo doutos e/ou seus estudantes, como
demonstra o fato de as teses terem sido escritas originalmente em latim e não em
alemão (língua familiar de Lutero). Observa-se também que o tom irônico e uma
certa preocupação com a métrica e a rima fazem parte do ritual de “belo
discurso” (arte da retórica) – conhecimento obrigatório nas universidades de
teologia e direito da época de Lutero. Portanto, ao lançar as suas “95 Teses”,
Lutero tornava públicas (mas não populares) as suas idéias, com a finalidade de
expor a doutos algumas questões que o incomodavam a respeito das “vendas de
perdão/indulgências”, cujas contradições práticas e doutrinais, somadas à
corrupção de determinados setores do clero, eram vistas por ele como uma ameaça
à credibilidade da fé cristã e da Igreja de Roma. Isso significa que, ao tornar
públicas as suas teses, Lutero esperava receber o apoio do papa, em vez de sua
censura. No entanto, depois de novas disputas teológicas, desta vez com agentes
enviados pelo Papa Leão X (1475-1521; pontificado: 1513-1521), foi redigida
contra Lutero uma carta de excomunhão datada em 21 de janeiro de 1521, que ele
receberia meses depois.
Entre
1517 e 1521, Lutero fora submetido a algumas disputas teológicas – e quase metade de suas teses foi refutada
pelos doutos do papa. Aos poucos, a situação fugiu dos muros da universidade, e
muitas idéias de Lutero foram convenientemente distorcidas por membros da
nobreza alemã, que utilizaram a “desculpa da fé” para tomar bens e terras de
famílias inimigas e da própria Igreja. Imprevisivelmente, toda esta situação foi
consolidando uma atmosfera de cisma religioso na Europa que estava longe das
intenções de Lutero. Portanto, deve-se entender que a ação de Lutero misturou-se
involuntariamente com interesses políticos e com outras tendências do debate
teológico e da cultura religiosa que remontavam ao século XIII.
Ora,
isso nos possibilita entender por que Lutero manifestou-se tanto contra as
revoltas camponesas (marcadamente “anabatistas”) quanto contra os nobres que
mesclavam seus interesses mundanos com o debate teológico que ele suscitara.
Além disso, não se deve perder de vista que Lutero estava historicamente
inscrito no universo sociocultural do Antigo Regime e, portanto, era muito cioso
das hierarquias sociais. Por isso mesmo, criticava a nobreza e parte do clero
por não darem “bom exemplo” ao explorarem os camponeses com tributações
extraordinárias, pois isso apenas servia, segundo a sua opinião, para alimentar
novas circunstâncias de revoltas sociais. Assim, não é paradoxal que, em 1520,
ele tenha escrito o seu “Apelo à Nobreza Germânica” e, em 1525, no contexto das
guerras camponesas, tenha escrito “Sobre a Autoridade Secular”, admoestando
ambos os estamentos por criarem situações de instabilidade política e
social.
Nestes
dois escritos, Lutero define claramente o caracter secular da autoridade
política como chave para se manterem equilibrados os direitos e
responsabilidades que justificavam as hierarquias sociais tradicionais.
Portanto, frente a um mundo que se apresentava instável e inseguro, Lutero
apelava para dispositivos tradicionais como meios de restauração da segurança no
mundo, mas com uma novidade doutrinal que jamais foi praticada plenamente em
parte nenhuma da Europa do Antigo Regime: uma década antes de ceder ao
pragmatismo dos príncipes protestantes da Liga de Smalkalde (1531-1547), quando
então ratificou o princípio “cujus regio, ejus religio”, Lutero afirmava que era
Deus que deveria julgar a fé individual e, portanto, nenhuma autoridade política
deveria, em nome dela, causar perdas de vida e de bens entre seus súditos.
Por
fim, valeria fazer uma última indagação: Se a ação de Lutero de lançar as suas
teses em 1517 não teria nada de excepcional, por que posteriormente isso foi
celebrado em muitos livros didáticos de história com uma certa conotação de
heroicidade ou excepcionalidade?
Em
primeiro lugar, porque os
desdobramentos não necessariamente luteranos de uma fé reformada ganharam
avultado corpo e agentes sociais nas décadas que se seguiram a Lutero. Sem isso,
não há quem celebre ou crie memória social em torno de determinado evento como
“marco fundador”. Em todo caso, foi ao final do século XVII, contexto da
expansão militar de Luís XIV (que revogou o Édito de Nantes em 1685) na Europa
Central, que se começou a celebrar nos meios protestantes o “dia de lançamento
das 95 Teses de Lutero” como um marco histórico de ruptura com Roma.
Em
segundo lugar, desde meados do
século XVIII, várias idéias de outros escritos de Lutero foram lidos numa chave
interpretativa iluminista de progresso cultural, particularmente as implicações
sociais e institucionais de sua percepção de que a fé ou a consciência religiosa
não deveria ser matéria dos príncipes. Aliás, vale lembrar que Immanuel Kant
(1724-1804) está inscrito na tradição luterana quando escreve o artigo “O que é
Esclarecimento?”(1784), no qual define um nexo causal entre secularização,
tolerância religiosa e progresso cultural.
Em
terceiro lugar, é bastante
significativo lembrarmos que, no último terço do século XIX, políticos e
intelectuais – bem antes da sociologia de Max Weber – começaram a estabelecer um
nexo causal entre “protestantismo”, “progresso capitalista” e “expansão colonial
moderna”, de modo a explicar e justificar a emergência imperial da Grã-Bretanha
e da Prússia em face à “decadência ibérica” e à “derrocada napoleônica”.
Cronologia:
1483:
10 de novembro: Nasce
Lutero.
1509:
Henrique VIII(1491-1547) torna-se rei da Inglaterra. Nasce
João Calvino em 10 de julho.
1517,
31 de outubro: Lutero fixa as suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg.
1518:
Lutero recusa-se a retratar-se perante o papa Leão X(1475-1521; pontificado:
1513-1521).
1520,
junho: Leão X condena 41 proposições de Lutero.
1521,
21 de janeiro: Leão X excomunga Lutero, mas levam vários meses até a ordem de
excomunhão chegar à Alemanha.
1522:
Lutero publica a sua advertência contra os distúrbios e publica a tradução do
grego para o alemão do Novo Testamento, com gravuras de Lucas Cranach
(1472-1553).
1523:
Lutero publica texto que fala do direito de a comunidade de fiéis julgar toda a
doutrina e nomear e demitir clérigos.
1524-1525:
Revolta camponesa liderada por Thomas Müntzer (1490-1525).
1525:
Lutero publica texto contra os “profetas sagrados” e contra as “revoltas
camponesas”.
1528:
Mandato imperial ameaça de morte os anabatistas.
1530:
Carlos V (1500-1558) – rei de Espanha desde 1516 e eleito imperador Habsburgo
desde 1519 – fracassa em impor uma ortodoxia religiosa ao império.
1534:
Ruptura de Henrique VIII da Inglaterra com Roma, supressão dos monastérios e
concessão de permissão para os padres se casarem. Na Alemanha, Lutero publica a
tradução do hebreu para o alemão do Velho Testamento.
1534-1535:
Anabatistas tomam o poder em Münster, mas seu “reino” é derrubado pela coligação
de forças católicas e protestantes.
1536:
Surge a primeira edição de “Instituições da Religião Cristã”, de João Calvino.
Ocorre também a introdução da bíblia vernacular na Inglaterra.
1542:
Calvino organiza o seu catecismo em Genebra.
1544:
Calvino admoesta os anabatistas.
1545,
13 de dezembro: Começa o Concílio de Trento.
1546,
18 de fevereiro: Morre Lutero.
1547:
Eduardo VI(1537-1553) assume o trono na Inglaterra e demonstra forte tendência
calvinista.
1549:
Eduardo VI lança o livro de pregações e pretende forçar a uniformidade religiosa
em torno da fé reformada na Inglaterra.
1553:
Morre Eduardo VI e sua irmã mais velha, Maria I(1516-1558), pretende o retorno
da Inglaterra ao Catolicismo.
1558:
Morre Carlos V da Espanha e Maria I da Inglaterra. Elizabeth (1533-1603) assume
o trono da Inglaterra e tenta restaurar o anglicanismo de seu pai, Henrique
VIII, o que significava evitar os extremos puritano(Eduardo VI) e católico(Maria
I).
1560,
Março: Fracasso de uma conspiração de jovens aristocratas huguenotes contra a
Casa Católica do Duque de Guise na França. Primeiro édito de tolerância é
editado.
1561,
Setembro-Novembro: Colóquio de Poissy, mas fracassa a tentativa de restaurar a
unidade entre huguenotes e católicos na França.
1562,
março: Massacre dos huguenotes em Vassy comandada pela Casa Católica de Guise.
Primeira Guerra Civil Religiosa na França.
1563:
Em março, Catarina de Médicis(1519-1589; regente: 1560-1574) tenta por fim à
guerra civil francesa com a assinatura da Paz de Amboise, que concede certo grau
de tolerância para os huguenotes. Neste mesmo ano, encerra-se o Concílio de
Trento.
1564,
27 de maio: Morre João Calvino. Théodore de Béze (1519-1605) sucede Calvino como
líder da reforma protestante centrada em Genebra.
1572,
23-24 de agosto: Noite do Massacre de São Bartolomeu em Paris.
1598:
Publicação do Édito de Nantes.
1685:
Revogação do Édito de Nantes.
As
95 Teses de Martinho Lutero
Com
um desejo ardente de trazer a verdade à luz, as seguintes teses serão defendidas
em Wittenberg sob a presidência do Rev. Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes,
Mestre de Sagrada Teologia e Professor oficial da mesma. Ele, portanto, pede que
todos os que não puderem estar presentes e disputar com ele verbalmente,
façam-no por escrito.
Em
nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Amém.
1.
Ao dizer: “Fazei penitência”, etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus
Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
2.
Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da
confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).
3.
No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a
penitência interior seria nula se, externamente, não produzisse toda sorte de
mortificação da carne.
4.
Por conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a
verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
5.
O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs
por decisão própria ou dos cânones.
6.
O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que
ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoados os casos que lhe são
reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações, a culpa
permaneceria.
7.
Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em
tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
8.
Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos
cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9.
Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus
decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
10.
Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos
moribundos penitências canônicas para o purgatório.
11.
Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter
sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
12.
Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição,
como verificação da verdadeira contrição.
13.
Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis
canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
14.
Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor,
e tanto mais quanto menor for o amor.
15.
Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para
produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do
desespero.
16.
Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semi
desespero e a segurança.
17.
Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror devesse diminuir à
medida que o amor crescesse.
18.
Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da
Escritura, que elas se encontrem fora do estado de mérito ou de crescimento no
amor.
19.
Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de
sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos
plena certeza disso.
20.
Portanto, por remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente
todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
21.
Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é
absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
22.
Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que,
segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
23.
Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente,
só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
24.
Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa
magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
25.
O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e
cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
26.
O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele
não tem), mas por meio de intercessão.
27.
Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na
caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].
28.
Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, pode aumentar o lucro e a cobiça; a
intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.
29.
E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas, como na
história contada a respeito de São Severino e São Pascoal?
30.
Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver
conseguido plena remissão.
31.
Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as
indulgências, ou seja, é raríssimo.
32.
Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se
julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
33.
Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa
aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com
Ele.
34.
Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação
sacramental, determinadas por seres humanos.
35.
Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou
indulgência, estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristão.
36.
Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da
pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de
indulgência.
37.
Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de
Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
38.
Contudo, o perdão distribuído pelo papa não deve ser desprezado, pois – como
disse – é uma declaração da remissão divina.
39.
Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar simultaneamente
perante o povo a liberalidade de indulgências e a verdadeira contrição.
40.
A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das
indulgências as afrouxa e faz odiá-las, ou pelo menos dá ocasião para tanto.
41.
Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o
povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do
amor.
42.
Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de
indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de
misericórdia.
43.
Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado,
procedem melhor do que se comprassem indulgências.
44.
Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao
passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da
pena.
45.
Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar
com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de
Deus.
46.
Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem
conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar
dinheiro com indulgência.
47.
Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não
constitui obrigação.
48.
Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo
(assim como tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que do
dinheiro que se está pronto a pagar.
49.
Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não
depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o
temor de Deus por causa delas.
50.
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores
de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la
com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51.
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a
dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências
extorquem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender
a Basílica de S. Pedro.
52.
Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o
comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas
mesmas.
53.
São inimigos de Cristo e do Papa aqueles que, por causa da pregação de
indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
54.
Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais
tempo às indulgências do que a ela.
55.
A atitude do Papa necessariamente é: se as indulgências (que são o menos
importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia,
o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de
sinos, procissões e cerimônias.
56.
Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o papa concede as indulgências, não
são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
57.
É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos
pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
58.
Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam,
sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser
humano exterior.
59.
S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando,
no entanto, a palavra como era usada em sua época.
60.
É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que foram proporcionadas
pelo mérito de Cristo, constituem estes tesouros.
61.
Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos especiais, o poder do
papa por si só é suficiente.
62.
O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de
Deus.
63.
Mas este tesouro é certamente o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam
os últimos.
64.
Em contrapartida, o tesouro das indulgências é certamente o mais benquisto, pois
faz dos últimos os primeiros.
65.
Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam
homens possuidores de riquezas.
66.
Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a
riqueza dos homens.
67.
As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças
realmente podem ser entendidas como tais, na medida em que dão boa renda.
68.
Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a
graça de Deus e a piedade da cruz.
69.
Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os
comissários de indulgências apostólicas.
70.
Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com
ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos
em lugar do que lhes foi incumbidos pelo papa.
71.
Seja excomungado e amaldiçoado quem falar contra a verdade das indulgências
apostólicas.
72.
Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das
palavras de um pregador de indulgências.
73.
Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram
defraudar o comércio de indulgências,
74.
muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram
fraudar a santa caridade e verdade.
75.
A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem
absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse
possível, é loucura.
76.
Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o
menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa.
77.
A afirmação de que nem mesmo São Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia
conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o Papa.
78.
Dizemos contra isto que qualquer papa, mesmo São Pedro, tem maiores graças que
essas, a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da
cura), etc., como está escrito em I.Coríntios XII.
79.
É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insigneamente erguida,
eqüivale à cruz de Cristo.
80.
Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que
semelhantes sermões sejam difundidos entre o povo.
81.
Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil nem para os
homens doutos defender a dignidade do papa contra calúnias ou questões, sem
dúvida argutas, dos leigos.
82.
Por exemplo: Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo
amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as
causas –, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo
dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?
83.
Do mesmo modo: Por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e
por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas
em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?
84.
Do mesmo modo: Que nova piedade de Deus e do papa é essa que, por causa do
dinheiro, permite ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus,
mas não a redime por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta por
amor gratuito?
85.
Do mesmo modo: Por que os cânones penitenciais – de fato e por desuso já há
muito revogados e mortos – ainda assim são redimidos com dinheiro, pela
concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?
86.
Do mesmo modo: Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais
crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São
Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
87.
Do mesmo modo: O que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição
perfeita, têm direito à plena remissão e participação?
88.
Do mesmo modo: Que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o
papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões
e participações cem vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
89.
Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do que o
dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências, outrora já concedidas, se
são igualmente eficazes?
90.
Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem
refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos
inimigos e fazer os cristãos infelizes.
91.
Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a
opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem
mesmo teriam surgido.
92.
Portanto, fora com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo “Paz, paz!”
sem que haja paz!
93.
Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo “Cruz! Cruz!” sem
que haja cruz!
94.
Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça,
através das penas, da morte e do inferno.
95.
E que confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por
meio da confiança da paz.
[em:
1517 A.D.]
Fonte:
Rodrigo
Henrik
ministeriounidade.org/2009/12/12/as-95-teses-de-martinho-lutero-afixadas-na-porta-da-igreja-do-castelo-de-wittenberg
ministeriounidade.org/2009/12/12/as-95-teses-de-martinho-lutero-afixadas-na-porta-da-igreja-do-castelo-de-wittenberg
Nenhum comentário:
Postar um comentário